Para a jornalista, pesquisadora e professora aposentada da Universidade Federal Fluminense, Sylvia Moretzsohn, a resposta é “não”. Afinal, é preciso repensar também as práticas jornalísticas contemporâneas, bem como a simplificação das ideias de “objetividade” e “verdade”

 

Por Nathália Coelho

 

 

Uma incorrência comum ao falar de desinformação está em achar que somente o fazer jornalístico profissional será capaz de conter o fenômeno. No entanto, para a jornalista e professora aposentada da Universidade Federal Fluminense (UFF), Sylvia Moretzsohn, esta é uma percepção falaciosa, visto que o próprio campo de atuação deve ser fruto de constante atualização e crítica em seus processos.

 

Ademais, os responsáveis pela difusão de desinformação não podem ser considerados, em oposição, “amadores”. Na primeira parte do episódio 5 do Diálogos ObservInfo, Moretzsohn explica e contextualiza a situação para compreender a sua complexidade. A parte 2 da entrevista sairá dia 15 de abril.

 

Segundo a pesquisadora, o próprio jornalismo pode ser um difusor de desinformação, como revela, por vezes, a crítica de mídia feita até agora. “Muitos exemplos a gente tem de mentiras descaradas mesmo, mas, menos do que mentiras, de distorções, de falseamentos, de interpretações enviesadas de informações que são fundamentais para a gente se situar no mundo”, reitera.

 

Moretzsohn dá dois exemplos na imprensa brasileira. O primeiro de uma suposta ficha criminal da ex-presidenta Dilma Rousseff, divulgada pela Folha de São Paulo em 2009, como se fosse um arquivo do antigo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Logo em seguida descobriu-se ser uma montagem. O segundo caso, de 2015, o Globo publicou que um lobista chamado Fernando Baiano, na época da Operação Lava Jato, teria dado dinheiro para familiares do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num esquema de corrupção. Ambos os casos foram desmentidos dias depois pelos dois jornais, embora as informações ainda estejam disponíveis na internet em outros sites.

 

Outro problema acrescentado por Moretzsohn é o fato de empresas utilizarem a ideia de “jornalismo profissional” como antídoto para as fakes news evidenciadas pela era digital, mesmo que as práticas nem sempre façam jus ao discurso dos seus editoriais, como aconteceu com a Folha de São Paulo, em 2017.

 

“O profissional seria então perfeitamente democrático e plural, garantidor de um debate público, no melhor sentido kantiano da ideia de debate público, com capacidade de falar publicamente, de ser autônomo, nesse sentido, e de promover a autonomia do cidadão e tal, em contrapartida àquilo que se produz na internet. Absolutamente não é. Não é por acaso que eu digo que esses redatores desses projetos editoriais têm um grande senso de humor, porque é realmente risível o que eles escrevem”, finaliza.

 

Objetividade e verdade

 

Moretzsohn publicou o livro Jornalismo em tempo real o fetiche velocidade, em 2004, em decorrência da sua pesquisa de mestrado. Aludindo ao conceito de fetiche da mercadoria de Karl Marx (1818-1883), a professora elabora a ideia de “fetiche da velocidade” no Jornalismo, em que “se produz, se consome e se valoriza antes de mais nada a velocidade e não a informação – rigorosa”, explica.

 

“É fetiche no sentido clássico da metáfora do Marx aplicado à mercadoria que ele utiliza para descrever o processo pelo qual o produto assume uma aparência fantasmagórica, que afronta o seu criador e esconde a relação social que lhe deu origem, ou seja, é um produto humano, mas que não aparece como tal e aparece como se tivesse vida própria, que seria uma expressão do estranhamento entre o que as pessoas produzem e o fruto do seu trabalho, é um aspecto da alienação do sistema capitalista”, explica.

 

Neste sentido, é a velocidade e o imediatismo, para a pesquisadora, que obrigam os profissionais a dar certezas numa notícia, quando ainda está cheio de dúvidas. O apontamento para o problema, portanto, seria um resgate da tradição iluminista do esclarecimento, rejeitando a ideia de que os fatos falam por si. “Não é negar a objetividade, pelo contrário, mas é negar uma simplificação dessa ideia de objetividade”, explica.

 

De acordo com Moretzsohn, deixar claro para o público que a tarefa de dar uma “verdade sobre os fatos”, a partir da interpretação da informação, passa pela explicitação do sentido político do jornalismo. “São campos discursivos que estão ali em conflito e há uma luta desigual, porque de um lado você tem a empresa e do outro você, tem o empregado dessa empresa que está ali batalhando”, reitera.

 

A nossa entrevista com Sylvia Moreztsohn não para por aqui. Fique ligado em nossas redes sociais, pois no dia 15 de abril publicaremos a parte 2 dessa conversa. Moreztsohn trará dicas importantes para quem quer se aprofundar nas reflexões sobre o jornalismo.

 

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